Páginas

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Maria...

Maria.
Tem a minha idade.

Maria nunca teve brinquedos na sua infância.
Passou-a recriminada pelo azar.
Sempre à parte... à parte do Mundo.
À parte das crianças... à parte.
Sempre à parte.


Vivia numa pequeníssima casa que nem um quarto-de-banho tinha.
O seu quarto partilhava com mais duas irmãs que padeceram de igual sorte.

Maria lavava-se no quintal, junto à casota do Bolitas.
Usava para esse fim um pequeno alguidar de cor-laranja.
Era nesse alguidar que, prontamente também, a família usava como repositório da roupa suja que mais tarde Maria lavava num tanque conjunto, na praça da sua aldeia.



Maria.
Tem a minha idade.

Maria, nunca soube o que era brincar.

Desde nova começou por ajudar seus pais na lide agrícola.
Chegava a sangrar das jovens mãos que, estranhas ao conforto, desbravavam mato, colhiam batatas, plantavam legumes, semeavam feijão, aravam a terra.

Cultivavam há anos, para um feitor, um pedaço de terra cuja contrapartida do trabalho era o usufruto gratuito da casa; da pequenina casinha onde morava.
Sem luz ou gás.
Sem água ou conforto.
4 paredes que dividia com a sua família, com o cão rafeiro bolitas e com 3 ratos (Tó, o mais peludo; Zé o mais clarinho e Fofo, o mais pequenino e bonitinho).

Era assim... sempre fora assim.

Não estudou.
Não havia tempo ou dinheiro.
Não havia vontade da Maria, da vontade feita verdade nascida da vontade de seus pais.
Da vontade de seus pais....


Tratou de crianças, de animais, de casas e lugares.
Varreu, passou, esfregou e... e cresceu.
Nem nunca chorar. Sem nunca se recriminar. Sem nunca pensar... porquê?


Meio sem jeito; jeito sem meio... meio meio, meio todo.
Maria Cresceu.

Maria
Tem a minha idade.
E sem quê, nem porquê, nunca teve a mesma sorte que eu.

...

Dou comigo a pensar nesta menina imaginada que bem podia existir de verdade.
Olho para o Céu e, com um vazio no estômago e um nó no coração agradeço.

Agradeço, injusta e egoistamente, o não me chamar Maria.



.

2 comentários:

Anónimo disse...

Passei só pra deixar um grande beijinho. ;)

Goreti

Anónimo disse...

hi hi ... provavelmente foi o comentário mais engraçado que já vi!!!
Reparem: "Anónimo disse..."
e no fim: "(o nome da pessoa)"

Engraçado, sim senhor!

Beijinhos (e saudades também),

Filipe B.